Maybe

- Você pode mudar sua aparência, seu jeito de vestir, seu endereço e seu telefone. Pode se afastar das pessoas e até mudar de nome. O problema é que as memórias são clandestinas incansáveis.
Ele concordou silenciosamente. Estavam sentados em um banco no píer. Aquela era uma praia praticamente deserta, perfeita naquela parte do dia em que o sol não era tão forte. O vento brincava com o longo cabelo vermelho da garota, trazendo ao homem ao seu lado perfume e muitas lembranças. Ele entendia perfeitamente o que ela queria dizer. Nenhum dos dois precisava verbalizar alguma coisa, porque ambos sabiam. Mas ela se sentia melhor quando encontrava palavras para seus sentimentos, e ele estava se mostrando um bom ouvinte. Ela continuou.
- Eu já estava fugindo quando te conheci. Na minha ansiedade de me livrar da inércia de cidade pequena, parece que engoli o mundo numa colherada só. Foi um alívio saber que outras pessoas também tinham sonhos, e fariam qualquer coisa por eles. Por isso eu te apoiei. Nós tínhamos o mundo contra nós, e isso não importava. Na verdade, era ótimo. Parecia que só nós dois existíamos. Mas não foi suficiente. Éramos o ponto de tangência de dois mundos muito diferentes. Você sabia... Você sabia que não era pra sempre. Eu também sabia, mas não estava pronta pra lidar com isso.
- Errado. Você tirou suas conclusões precipitadas e errôneas.
- Não estamos aqui para apontar os culpados. - Ela suspirou. - Mas eu fugi pela segunda vez. E eu voltei por sentir falta de algo que eu nem sei se existiu.
Ele a encarou perplexo com a facilidade que ela tinha para traduzir o intraduzível. Por um momento se perdeu na cor esmeralda de seus olhos.
- Garanto que existiu.
- Talvez. Mas se existiu ou não, parece que não existe mais. Não é a primeira vez que tentamos recuperar e acabamos piorando.
Ela virou o rosto para o lado oposto, sentindo que as lágrimas começavam a descer. Chorar era um alívio para ela, como se confirmasse o fato de que ainda podia sentir alguma coisa que não indiferença. Uma chuva fina começou a cair, e por alguns segundos que pareceram uma eternidade, ela se perguntou se ele continuava ali. O toque dele respondeu sua pergunta silenciosa. Ele a puxava para um abraço.
- Eu te amo. Eu só sinto falta do tempo em que isso era suficiente - disse ele.
Era a primeira vez que ela ouvia aquelas três palavras dele. Assumiu as lágrimas e o encarou.
- Eu também te amo. Isso foi suficiente pra me fazer voltar atrás.
- É o suficiente pra me fazer querer continuar.
Aquilo era tudo o que ela precisava ouvir, mas só o abraço forte é que lhe deu certeza.

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