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O leão por dentro - pulsações

É mais fácil amar alguém que está mal, que é pobre, doente ou vulnerável, talvez por isso tenha escolhido ser médica. Às vezes eu sinto que a pessoa vai me rejeitar, ou que não me ama mais, e passa a ser muito doloroso continuar amando alguém assim, então eu tenho que fazer algum mal pra ela. Esses dias a minha mãe foi jogar o lixo fora, e tinha um cara dormindo no container de lixo. Ele disse "coloca ali no cantinho". Um ser humano, no lixo, junto com papéis sujos de merda, restos de comida, fraldas e absorventes usados, e tudo aquilo que consideramos não nos servir mais, tudo aquilo que era repugnante demais pra continuar em nossas casas. Era um ser humano no lixo. Fiquei me perguntando se ele não tinha família, sentimentos, alguma razão pra ainda estar vivo.... Ou se era tão repugnante que a família precisou descartá-lo, como se descarta o lixo do banheiro antes que comece a feder. Ou se ele era como uma boneca de plástico com a perna quebrada que uma criança não quis

I'm ambivalent

Puxa, como estamos distantes. E vamos ficar mais ainda. Onde você está? Para onde vai? 300km daqui. Agora você vai ter que ser meu amor platônico. Está a fim de um jogo? Como é? Eu te faço uma pergunta e você não pode mentir, você me faz uma pergunta e eu não posso mentir. Você é feliz? Ataques de pânico. Eu amo você. Estou com medo. Eu te seguro. Estou com muito medo, adeus. Voltei porque também amo você. Bate em mim? Não. Quero te comer. Não. Eu te estupraria se te visse na rua. Quero fugir e não consigo. Relaxa, eu cuido de você. Morre comigo? Morro. Vive comigo? ... Distância física. Distância emocional. Braços fatiados de novo. Quero um amor de robô gigante. Por que não aceita o amor que posso te dar? Nunca vou sentir isso. Então, tchau, seja feliz. Acabou. Ar fresco. A cabeça no lugar. E o coração? Será que ainda pensa em mim? Não vale a pena voltar. E se ele morrer sem mim? Não é responsabilidade minha. Foi único. Pena que acabou. Nunca mais vou sentir isso por outra pessoa

Chovendo por dentro

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Ânsia de vômito. Mudo a posição na cama, pra ver se melhora. Tarde demais. Preciso vomitar. Sinto as palavras no estômago, formando uma fila indiana, subindo pelo esôfago agora, e elas precisam sair. Ficaram de molho no ácido dos meus pensamentos por dois malditos anos e agora que eu preciso dormir, elas resolvem sair. A experiência me diz que é inútil resistir a isso. Essas palavras me foram enfiadas goela abaixo há dois anos. No começo foram difíceis de digerir - não aceitei. Eu lembro quais foram: você precisa manter a calma agora, precisa ser forte. Precisa vir para o hospital, se despedir do seu pai. No meio do caminho, outra ligação, sem muitas palavras, e pude deduzir o que havia acontecido. A parte mais difícil da vida coincidiu com a parte mais difícil da estrada. Chovia na serra, à noite. Não sabia mais diferenciar a água que escorria no vidro do carro das lágrimas que escorriam dos meus olhos. Dois sentimentos egoístas: O primeiro foi remorso, lembrando da carta que meu
Quando voltou da cozinha com uma xícara de chá de camomila na mão, ela viu que uma nova mensagem havia pulado na tela do seu computador, 03:15 da manhã. "E aí, como você está?" Colocou a xícara na mesa, sentou na cadeira sobre suas pernas dobradas, respirou fundo e digitou: "Bem." As três letras foram friamente calculadas por 13 semanas, desde que ele havia a deixado. 03:17 - outra mensagem apareceu. "Não vai perguntar como eu estou?" Seus lábios se curavam unidos, a guisa de um sorriso de escárnio. "Acho que você está me confundindo com alguém que se importa." Visualizada 03:19. Do outro lado da tela, 03:20, ele jogou o copo de whisky na parede.
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Ilha: pedaço de terra cercado de amor por todos os lados. Ainda me lembro de quando cheguei a Florianópolis e caminhava pelo centro parando pra perguntar "onde fica o mar?". Agora estou aqui há tempo suficiente pra saber que é só seguir toda vida reto. Naquela época, eu ficava na beiramar beiramarando, perguntando todos os dias como diabos eu tinha ido parar sozinha ali, sem conseguir superar Curitiba e suas curitibanices. A mobília do meu apartamento consistia em uma cadeira de praia e uma mesa de computador. Não conhecia ninguém e ninguém me conhecia, nem mesmo um amigo em algum bar que me deixasse entrar sendo menor de idade. Eu era uma criança até na identidade. Encaixotando as coisas pra ir embora, vejo que elas não entram mais no mesmíssimo carro que sobreviveu às minhas três mudanças até então. Eu, que também era mais vazia quando cheguei, agora levo muitas boas lembranças e eu só queria agradecer e abraçar cada um que fez parte disso, mas não vou, porque sou covarde

Gradually, then suddenly

Comecei cheirando àquele perfume Carolina Herrera 212. Na manhã seguinte, era uma mistura de suor, cerveja, cigarro e incenso. Tinha o cheiro dele também. "Eu sempre quis conversar contigo, mas nunca tive coragem", e assim seguiu o diálogo que, acima de tudo, me lembrava de todas as coisas que eu sempre quis fazer, mas nunca tive coragem. A primeira delas era uma tatuagem de borboleta, agora já meio apagada por três sessões de remoção a laser, que doíam cada vez mais na pele e no bolso. Aos 14 anos, achei que um desenho como esse, sem significado, seria apenas decorativo. Se ficasse bonito, não teria motivos para me arrepender. Mas a execução ficou uma bosta também. E então, um dia acordei incomodada com a minha própria indiferença conceitual na escolha do desenho. Antes de recorrer às sessões de tortura, tentei atribuir um significado. Transformação. A lagarta detestável que se fechou em um casulo e um dia saiu de lá borboleta. (Eu me identificava bastante com o Chucrute,

Here's your letter

Oi, pai. Hoje faz um ano e meio que não lavo seu carro. Sei disso porque faz um ano e meio desde que consegui a habilitação. Também faz um ano e meio desde que você se foi (ou o carro não estaria nesse estado). Muita coisa aconteceu nesse meio tempo e fico imaginando como reagiria a todas essas mudanças. Pra começo de conversa, não foi apenas seu carro que destruí; sua camiseta do Metallica está há dois dias de molho em um balde. Fiz de tudo para salvá-la, mas acho que as manchas de tinta não sairão. Não acho que você vá se importar, porque são as marcas que você sempre quis ver em mim. Sim, agora sou oficialmente uma acadêmica de medicina. Vou cuidar do coração das pessoas, como você disse que seria bonito fazer quando eu tinha seis anos de idade. Se eu ligasse te contando que finalmente passei no vestibular, você ia dizer: eu já sabia. Ainda tenho a folha de caderno que você deixou em cima da mesa da cozinha três anos atrás, antes do meu primeiro vestibular. Está escrito ass