Gradually, then suddenly
Comecei cheirando àquele perfume Carolina Herrera 212. Na manhã seguinte, era uma mistura de suor, cerveja, cigarro e incenso. Tinha o cheiro dele também. "Eu sempre quis conversar contigo, mas nunca tive coragem", e assim seguiu o diálogo que, acima de tudo, me lembrava de todas as coisas que eu sempre quis fazer, mas nunca tive coragem.
A primeira delas era uma tatuagem de borboleta, agora já meio apagada por três sessões de remoção a laser, que doíam cada vez mais na pele e no bolso. Aos 14 anos, achei que um desenho como esse, sem significado, seria apenas decorativo. Se ficasse bonito, não teria motivos para me arrepender. Mas a execução ficou uma bosta também. E então, um dia acordei incomodada com a minha própria indiferença conceitual na escolha do desenho. Antes de recorrer às sessões de tortura, tentei atribuir um significado. Transformação. A lagarta detestável que se fechou em um casulo e um dia saiu de lá borboleta. (Eu me identificava bastante com o Chucrute, de Vida de Inseto.) Mas ele viu além desse cliche.
"Você acha que a largata, quando está tecendo o casulo, sabe que vai virar uma borboleta, ou ela só tá lá pensando: que porra é essa que eu 'to fazendo?" - confesso que é assim que me sinto na maioria dos momentos da minha vida. Inclusive foi assim que me senti quando comecei a tirar a roupa dele. Sempre tive mais sorte do que juízo, essa é a única explicação que posso dar pra qualquer experiência bem sucedida minha.
Além disso, ele disse, você já viu uma borboleta de perto? É um bicho monstruoso. De longe são até bonitas, mas de perto são assustadoras. E todo mundo é assim.
A segunda coisa que eu nunca ia fazer seria sair com um cara como ele. Enquanto o beijava, só conseguia pensar que ele tinha o mesmíssimo gosto de cerveja e cigarro que todos os outros, apenas um pouco mais doce. Quando foi que eu adquiri esse gosto? Cerveja e cigarro eram duas coisas que meus pais sempre me disseram pra ficar afastada, e até certa idade fui uma pessoa obediente. Quando me perguntam como eu pude mudar tanto, digo como aconteceu: gradualmente e então de repente. Um dia me vi atraída por tudo o que havia de mais bizarro, estranho e principalmente complicado. Quando perdi a virgindade, achei que poucas coisas podiam ser mais violentas que sexo. Quando o primeiro cara me levantou a mão, revidei da melhor maneira que pude. E lá estava eu, na cama dele, dizendo: me bate.
Tapa.
Sua putinha.
Tapa.
Era um teste. Eu não estava conseguindo superar meu último relacionamento violento, pensando que nunca mais ia encontrar alguém que entendesse minha necessidade masoquista, combinada com a minha personalidade de mártir. Peço que me batam na cara apenas pra ver quanta resistência eles têm a isso. Ontem não houve muita. Mas depois ele confessou que quem havia batido era seu gêmeo do mal. Quando deitei ao seu lado, ele disse que naquele momento seria incapaz de repetir o ato - agora ele era outra pessoa. Não pude deixar de lembrar de Norman Bates (ou sua mãe?) naquele filme Psicose. A mosquinha havia pousado em sua mão, e sabendo que estava sendo observado, ele pensou: não vou matá-la e aí eles vão perceber que sou incapaz de fazer mal a uma mosca! Lá estava eu, a mosca, deitada em seu peito.
A terceira coisa que também nunca pensei que faria era ficar especificamente com ele. Quem diria que eu respeitaria um cara que conheceu a ex-mulher no chat do Terra? Caras tatuados, de cabelo comprido e barba sempre me chamaram atenção, mas ele tinha algo mais. Como disse Hank Moody, sou uma espécie de ratoeira pra pessoas problemáticas. Acho que secretamente todos fazemos parte de um clube, no qual os membros se reunem dois a dois (porque têm dificuldades de gerenciar conversas com mais gente), em reuniões onde ficamos sozinhos juntos. Foi isso que fizemos: ficamos sozinhos juntos na mesa do bar e depois na casa dele. Uma coisa foi dita e prendeu minha atenção: ele disse que queria ser psicólogo porque achava que assim teria a chance de conversar todos os dias com pessoas como eu. Não se assuste; são muitas as coisas ofensivas que considero elogios. Aliás, já fiquei lisonjeada quando um cara com quem ficava disse: queria muito mijar em você, e nunca fiz isso em ninguém. Pra mim, era a necessidade de expressar um desejo tão grande que o simples sexo não conseguiria dar conta, sem mencionar a sensação de exclusividade. Ontem, indiretamente, fui chamada de louca e só conseguia pensar: ele me enxerga como eu sou e é um alívio não precisar fingir que sou normal. Por outro lado, me senti transparente, mesmo ele dizendo que eu era uma pessoa difícil de ler. Contei alguns de meus sonhos, até mesmo aquele meio perturbador que tive naquela noite mesmo. Eu estava na cama com ele e sonhei que estava na cama com ele, só que sua mãe estava na cama encostada perpendicularmente à nossa. Talvez eu seja um prato cheio para quem gosta de Jung. Ou não.
De qualquer forma, acredito que nenhum de nós imaginou que um dia realmente conversaríamos. Teve um momento no bar em que perguntei: posso fazer uma coisa que quero fazer há dois anos? Não sei o que ele pensou, mas com certeza me subestimou se achou que eu ia ser piegas e beijá-lo. Pedi pra tocar seu cabelo. Era macio e cheiroso, e desde que ele sentou na minha frente na aula de comportamental, senti vontade de tocar. Seria essa a prova de que você consegue as coisas que você deseja? Pensando nisso, confessei que aos 14 anos meu sonho era ser groupie, o que aconteceu de maneira meio deturpada na realidade - acabou virando um pesadelo. "Cuidado com o que você deseja" é, de fato, um bom conselho.
Sinto que ontem falei demais, e hoje queria falar de coisas mais silenciosas, escrevendo um texto com gostinho de guaraná e Rivotril em gotas, pra ler colocando no Youtube um vídeo de 10 horas de barulho de chuva e trovões. Talvez eu realize meus desejos com dois anos de atraso mesmo (em 2017 escrevo algo mais legal), porque hoje tudo o que tenho pra oferecer em palavras é o que a cerveja de ontem me fez vomitar. Escrever algo novo está diretamente relacionado a fazer algo que você sempre quis fazer, mas nunca teve coragem.
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