Chovendo por dentro
Ânsia de vômito. Mudo a posição na cama, pra ver se melhora. Tarde demais. Preciso vomitar. Sinto as palavras no estômago, formando uma fila indiana, subindo pelo esôfago agora, e elas precisam sair. Ficaram de molho no ácido dos meus pensamentos por dois malditos anos e agora que eu preciso dormir, elas resolvem sair. A experiência me diz que é inútil resistir a isso.
Essas palavras me foram enfiadas goela abaixo há dois anos. No começo foram difíceis de digerir - não aceitei. Eu lembro quais foram: você precisa manter a calma agora, precisa ser forte. Precisa vir para o hospital, se despedir do seu pai.
No meio do caminho, outra ligação, sem muitas palavras, e pude deduzir o que havia acontecido. A parte mais difícil da vida coincidiu com a parte mais difícil da estrada. Chovia na serra, à noite. Não sabia mais diferenciar a água que escorria no vidro do carro das lágrimas que escorriam dos meus olhos.
Dois sentimentos egoístas:
O primeiro foi remorso, lembrando da carta que meu pai havia mandado uns dias antes. Dizia que eu era a única razão dele viver. Então ele morreu e eu só conseguia pensar que a vida dele havia sido uma bosta, por minha causa.
O segundo era um alívio por finalmente ter a concessão do choro socialmente aceito. Eu era chorona desde criança, do tipo que chorava por flores murchando. As pessoas não achavam que esse era um motivo digno para chorar, mas elas pareciam incapazes de compreender que o motivo era exatamente o mesmo do choro do luto: nascemos para uma desgraça inevitável.
E continuou chovendo nos dias que se seguiram. Era estranho voltar para a casa dele e encontrar tudo lá: o carro, as fotos, as roupas (especialmente a jaqueta de couro com o cheiro nostálgico), o creme de barbear no armário do banheiro, como se no dia seguinte eu fosse acordar de um sonho ruim e meu pai ainda fosse estar lá, com todas aquelas coisas. Mas o amanhecer só trazia mais chuva, nunca trazia ele de volta. Parei de chorar logo, porque era como se o mundo chorasse por mim - por ele. Depois veio a neve, o endurecimento, junto com a convicção final de que a existência humana era mesmo sem sentido. Então veio o sol para derreter tudo.
E eu saí de casa pela primeira vez, vendo os bonecos de neve se desfazendo, a grama e os telhados aparecendo de novo, e a vida voltando a ser o que era.
Quando a chuva parou, continuei chovendo por dentro. Só queria perguntar ao sol: por que você continua brilhando? Não percebe que o mundo acabou?
Essas palavras me foram enfiadas goela abaixo há dois anos. No começo foram difíceis de digerir - não aceitei. Eu lembro quais foram: você precisa manter a calma agora, precisa ser forte. Precisa vir para o hospital, se despedir do seu pai.
No meio do caminho, outra ligação, sem muitas palavras, e pude deduzir o que havia acontecido. A parte mais difícil da vida coincidiu com a parte mais difícil da estrada. Chovia na serra, à noite. Não sabia mais diferenciar a água que escorria no vidro do carro das lágrimas que escorriam dos meus olhos.
Dois sentimentos egoístas:
O primeiro foi remorso, lembrando da carta que meu pai havia mandado uns dias antes. Dizia que eu era a única razão dele viver. Então ele morreu e eu só conseguia pensar que a vida dele havia sido uma bosta, por minha causa.
O segundo era um alívio por finalmente ter a concessão do choro socialmente aceito. Eu era chorona desde criança, do tipo que chorava por flores murchando. As pessoas não achavam que esse era um motivo digno para chorar, mas elas pareciam incapazes de compreender que o motivo era exatamente o mesmo do choro do luto: nascemos para uma desgraça inevitável.
E continuou chovendo nos dias que se seguiram. Era estranho voltar para a casa dele e encontrar tudo lá: o carro, as fotos, as roupas (especialmente a jaqueta de couro com o cheiro nostálgico), o creme de barbear no armário do banheiro, como se no dia seguinte eu fosse acordar de um sonho ruim e meu pai ainda fosse estar lá, com todas aquelas coisas. Mas o amanhecer só trazia mais chuva, nunca trazia ele de volta. Parei de chorar logo, porque era como se o mundo chorasse por mim - por ele. Depois veio a neve, o endurecimento, junto com a convicção final de que a existência humana era mesmo sem sentido. Então veio o sol para derreter tudo.
E eu saí de casa pela primeira vez, vendo os bonecos de neve se desfazendo, a grama e os telhados aparecendo de novo, e a vida voltando a ser o que era.
Quando a chuva parou, continuei chovendo por dentro. Só queria perguntar ao sol: por que você continua brilhando? Não percebe que o mundo acabou?
Comentários
Postar um comentário