Blame

Quando foi que sua pequena havia crescido tanto? Foi a primeira coisa que Pete se perguntou quando chegou à casa dos Claymore. Ele se lembrava com perfeição de quando tinha dezesseis anos e seus tios o escolheram para ser padrinho de sua única filha recém-nascida. Era muita responsabilidade para um garoto daquela idade, e ele achava que não seria um bom padrinho. Passou uma semana pensando em como dizer isso aos tios, mas quando pegou a menina no colo pela primeira vez, esqueceu de tudo. Ele mesmo havia escolhido o nome dela: Nicole Claymore. Quando chegou, estava chorando incansavelmente no colo da mãe, e já tinham tentado de tudo para acalmá-la - sem sucesso. Somente quando Pete a pegou no colo ela parou. Seus cachinhos eram escuros, seus olhos eram castanhos e sua pele extremamente clara. Era fácil cuidar dela (mais fácil do que Pete havia pensado), e era até agradável. Quando ninguém olhava, ele conversava com Nicole, achando que suas respostas nunca passariam de caretas e sorrisos, e por isso se surpreendeu quando ela disse sua primeira palavra "padinho". A namorada de Pete na época sorria olhando os dois juntos (tinha até certo ciúme), e dizia que era lindo vê-lo com um bebê.
Pete se mudou para a capital, para cursar a faculdade. Só voltava para casa nas férias e nos feriados, e numa dessas ocasiões ele pode rever Nicole. Agora ela tinha cinco anos, os mesmos olhos castanhos de que se lembrava, e os mesmos cachinhos escuros (só que agora caiam até a sua cintura). Continuava adorável, mesmo com aquela ansiedade que as crianças sentem em relação ao Papai Noel. Ela olhava os embrulhos embaixo da árvore quando Pete chegou. "Lembra de mim?" - ele perguntou. "Padrinho!" - ela exclamou e correu para abraçá-lo. Ele a ergueu no ar e ela sorriu, mostrando um espaço vazio onde deveriam estar seus dentes da frente. Claro que ele fez piadas sobre isso, mas nada que a deixasse emburrada. Pete a pegou no colo e eles sentaram no sofá, assim Nicole pode lhe contar como foi seu ano na escola e o quanto estava ansiosa para aprender a ler no ano seguinte. Contou que sabia apenas escrever seu nome. Pete havia acertado em cheio no presente que havia escolhido para a garota. Havia comprado um livro enorme, mas cheio de ilustrações: "Clássicos Favoritos De Todos Os Tempos", que era uma compilação de histórias da Disney. Nicole adorou, passou horas olhando as figuras depois do jantar, página por página. Mais tarde, sua mãe ligaria para Pete e agradeceria o presente também, porque Nicole estava se empenhando no aprendizado da leitura apenas para ler aquele livro tão grande.
Afinal, ele não era tão ruim como padrinho. Ainda se viram mais vezes nos anos seguintes, quando toda a família passava as férias na casa de praia. Mas somente quando se viram no último Natal é que ele teve noção do quanto o tempo havia passado. Ele namorava outra garota agora, Beverly Watson. Tinha uma filha de apenas seis meses, Claire. E Nicole estava realmente diferente. Sempre se mostrara adulta demais para a sua idade, mas ele ficou perplexo quando ela pegou Claire nos braços, com um sorriso no rosto.
Agora eles esperavam o jantar. John Claymore terminava de servir o vinho para todos os convidados e tornava a se sentar na ponta da mesa.
- Bom, certamente temos muitas coisas para agradecer esse ano. Beverly, seja bem vinda à família - ele sorriu, e a namorada de Pete agradeceu. - É o primeiro Natal da nossa pequena Claire, e espero que ela tenha muitos outros felizes como esse. E apesar de me partir o coração saber que esse é o último Natal de Nicole nessa casa...
- O quê? - perguntou Pete, tentando se recompor logo em seguida. John sorriu.
- Eu só tenho a agradecer a filha que tenho. Nicole foi aceita no Instituto de Tecnologia de Massachusetts!
Houve exclamações de todos os que estavam na mesa. A garota sorriu e abaixou os olhos, o rosto levemente corado. Pete estava realmente surpreso.
- Papai, estou feliz por lhe deixar orgulhoso, mas não sei se pretendo morar tão longe de casa. Ainda posso estudar no Instituto de Tecnologia da California!
- Eu sei, querida. Mas estou feliz por você ter sido aceita.
- É a melhor faculdade de engenharia dos Estados Unidos! Quero dizer, o Instituto da California não fica muito atrás. Parabéns, Nicole! - disse Pete, ainda olhando perplexo para a garota.
- Obrigada, Pete. - Ela sorriu, seus olhos ostentando certa malícia que fez Pete arrepiar.
Em seguida, eles brindaram e jantaram com calma. Trocaram presentes e agora estavam reunidos na sala de estar. Claire havia adormecido nos braços de Pete, e então Nicole se ofereceu para levar a garota a um quarto. Ela subiu até o quarto dos pais, fez com que ela deitasse na cama de casal e arrumou os travesseiros nas beiradas, para impedir a menina de rolar e cair. Tirou os scarpins vermelhos e deitou ao lado dela, mas assim que apagou a luz Claire começou a chorar.
Nicole acendeu a luz do abajur no criado-mudo, suspirou e pegou a garota no colo. Não teve que se preocupar, porque logo Pete chegou.
- Eu não tenho jeito com crianças, Pete. - Ela fez uma careta  culpada e ele riu.
- Não se preocupe. - Pete se sentou ao lado dela na cama e pegou Claire no colo, balançando-a suavemente com o objetivo de acalmá-la. - Eu também achava que não tinha jeito com crianças, até pegar você no colo pela primeira vez. - Ele sorriu e ela achou aquilo simplesmente encantador.
- É tão estranho, saber que você já me pegou no colo.
- Pois é, eu tinha apenas dezesseis anos e estava apavorado com a ideia de ser padrinho. Quando você chegou, estava chorando no colo de sua mãe. Achei que você seria um problema, daquelas crianças chatas, sabe? - Pete sorriu, mas mantinha o olhar fixo em Claire. - Então eu te peguei no colo e você parou de chorar.
Claire começava a se acalmar. Eles ficaram em silêncio por um momento, então ele começou a cantarolar Juicebox, dos Strokes e ela riu.
- Strokes? - perguntou em voz baixa.
- Funciona!
Nicole começou a cantar junto.
"Standing in the light fields, standing in the light fields, waiting for some action, waiting for some action. Why won't you come over here?"
O refrão não passava de um sussurro rouco, e eles tentaram conter a risada.
- Ela adormeceu. - Pete a acomodou na cama e apagou a luz do abajur, ainda observando Claire pela luz fraca que vinha do corredor, pela porta entreaberta. Eles podiam ouvir as risadas no andar de baixo. - Tem uma pergunta que eu quero fazer desde o jantar - disse ele, buscando os olhos de Nicole na escuridão.
- Pergunte.
- Engenharia?
Seu tom era de indignação e ela teve que limitar o riso a uma risadinha nasalada.
- Por que a surpresa?
- Porque quem se dá bem com letras não se dá bem com números. É quase uma regra.
- Bobagem. Eu gosto muito de ler, mas não gosto muito de matérias como história e geografia.
- Que decepção, achei que teríamos mais uma advogada na família - disse Pete. Ele mesmo era um advogado.
- Shh, vai acordar a Claire. Quer conversar na varanda? - perguntou Nicole, já se levantando e procurando os sapatos.
Pete concordou e ela abriu a porta da varanda do quarto, encolhendo-se imediatamente ao sentir o frio. A vista era linda: a neve parara de cair, mas os telhados e a rua ainda estavam brancos, os enfeites de Natal piscando.
- Então, na verdade eu me interessei por engenharia assistindo ao History Channel.
- Como?
- Um documentário sobre a Corrida Espacial. Fiquei pensando sobre como seria legal trabalhar na Nasa, ou algo assim.
Pete sorriu. Não achava um sonho estúpido, muito menos duvidava dela. Pelo contrário, adorava o brilho de seus olhos quando falava no assunto.
- Gostei do seu presente - disse o mais velho, referindo-se ao White Album, dos Beatles. - Talvez não deva perguntar como conseguiu isso, mas...
- eBay - disse ela prontamente, mordendo o lábio inferior em seguida. Eles riram. - Queria achar uma coisa especial, assim como aquele livro que você me deu quando eu tinha cinco anos.
Ele segurou suas mãos repentinamente. Era um tanto reconfortante ter mãos grandes e quentes nas suas, Nicole achou, porque as suas estavam frias como pedras de gelo, de acordo com Pete. O homem se aproximou e beijou o canto de seus lábios. Sem esperar uma reação da garota, abraçou-a e iniciou um beijo intenso, ao qual ela correspondeu com ansiedade. Depois que se separaram, ela não disse "é errado, você é comprometido", assim como ele não disse "é errado, você é menor de idade". E nenhum deles pensou que seria errado pelo fato deles serem primos, além dele ser padrinho da garota.
Ela o abraçou, sentindo seu perfume cítrico. Lembrava-se desse perfume desde que era pequena. Seu interior gritava "eu te amo", um sentimento pedindo para ser exteriorizado, e que foi limitado a força do abraço. Com medo de que fossem flagrados, trocaram mais um beijo e se separaram, voltando a ocupar seus lugares na sala de estar da família Claymore. Eles não voltaram a falar sobre o assunto tão cedo, mas nunca haviam se esquecido daquele beijo.

Comentários

  1. ok, eu não conheço a musica, sou sem cultura mesmo
    vou procurar no google q
    voce escreve muiiiiiiiiiito bem amor
    parabéns (L)

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