Você é um cigarro. Eu podia desenvolver essa metáfora de maneira rasa e óbvia: você é uma droga e vicia. Você é gostoso, mas me faz mal e provavelmente vai acabar me matando. Mas tentando fugir um pouco do óbvio, diria que a primeira vez que te experimentei, você era igualzinho um Marlboro vermelho. Sem nunca ter fumado antes, devia saber que seria melhor começar com algo mais suave, como uma essência de morango para o narguilé, mas não. Parecia tão fácil levar o cigarro aos lábios e depois devolver a fumaça que eu não sabia como poderia ser traumático. Marlboro vermelho foi o primeiro e aconteceu o esperado: eu me afoguei e tossi. Eu fui contra todo o bom senso e as advertências do Ministério da Saúde e te experimentei. Não posso reclamar que ninguém me avisou: fumar causa câncer de laringe. Câncer de pulmão. Necrose. Impotência sexual. No fundo eu sabia tudo aquilo que você me causaria: a frustração, a ansiedade, o ciúmes, a percepção de que o outro tem vontade própria que independe da nossa, ódio e talvez até amor.
Mas foi horrível e humilhante e eu disse pra mim mesma que nunca mais fumaria. Foi assim que me senti saindo da sua casa cinco da manhã, na chuva, porque até isso era melhor do que continuar na sua companhia decepcionante. Doeu na hora e depois passou, como um curativo arrancado muito rápido. O problema é que alguns de nós nunca aprendem. Alguns erros são cometidos de novo e de novo e mais uma vez, e essa é a única maneira de explicar porque eu voltei a falar contigo. E porque voltei a fumar. Sabe quando você está numa festa cheia de gente esquisita e você não sabe ao certo o que fazer com as mãos? Eu tinha um copo de whisky com gelo derretido que eu fora incapaz de beber em duas horas de festa. Aquilo tinha um gosto horrível. Meus amigos todos fumavam, e o cigarro parecia uma opção mais charmosa que um copo de whisky aguado. Pedi um Lucky Strike para meu amigo, algo muito mais aceitável para se fumar. Foi assim que desenvolvi o hábito. Da mesma forma, andei me sentindo esquisita e sozinha enquanto todo mundo ao meu redor tinha alguém. Sei lá, era só uma necessidade momentânea e você poderia suprir. Sabe aquela piadinha tosca de quem diz que fuma há anos e nunca viciou? E aquela outra do "não tenho vícios, só bebo e fumo quando eu jogo?" Eu achava isso possível, sim. Adoro minha capacidade de me desligar das coisas quando eu quero. É por isso que era fácil fumar "socialmente" e te ver apenas quando era conveniente. Foi assim por um bom tempo.
De repente fiz novas descobertas que mudariam isso. Foi assim com o maldito Lucky Strike Click & Roll. Quem experimentou sabe a sensação de estourar aquela bolinha e a tragada subitamente se tornar menos encorpada, com o sabor atenuado de menta refrescante. Isso me deixou querendo mais. Sei lá, parece que finalmente estourei uma cápsula assim em você. Logo você, que era tão distante, de repente começa a abraçar apertado, como quem nunca mais quer soltar. Abraçando e cheirando o cabelo, deitando ao meu lado e perdendo uma noite apenas ouvindo música e conversando, seus dedos brincando com os meus.
Agora parece que estou fumando Gudang. Três vezes mais alcatrão, monóxido de carbono e nicotina. E tá custando caro pra caralho, mas apenas sinto que aqueles momentos em que a pressão abaixa um pouco valem a pena. No fundo, eu sei que não. Mas você é uma droga, vicia, e quando eu achei que tinha o controle sobre a situação, você me mostrou que não.
(There's some kinda love and there's some kinda hate, cantam os Misfits.)
O pior é que existe um número nas caixas de cigarro, para o qual você pode ligar quando precisa de ajuda para parar de fumar. Você não veio com um disk pare-de-gostar-de-mim.
O pior é que eu amo ver a ponta queimando e a fumaça dançando em círculos contra a luz da janela.
Se houvesse um Ministério do Bom Senso, ele advertiria as pessoas que amar causa decepção, ansiedade, ciúmes e perda da noção do ridículo. As costas das pessoas trariam fotos dos males que causam. Será que alguém já deixou de fumar por causa do feto no pote de Hellmann's? Será que alguém já deixou de amar por medo de se machucar?
Não sei. Só sei que depois de tantos cigarros, percebi que no final das contas, só sobram as cinzas e o cheiro ruim impregnado na casa. Depois de você, só o vazio que nunca será preenchido com esse amor unilateral. Uma coisa é certa: tudo tem um preço e um risco. Se não tiver, também não tem graça.

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