O leão por dentro

Decepções ainda não eram parte de seu mundo. Estava muito bem (mal) acostumado a ter tudo o que queria, como queria, na hora que queria. Tudo sempre dava certo, porque o acaso estava ao seu lado. Essa ideia de realmente se importar com outra pessoa era completamente nova. É por isso que levou um tempo para assimilar o fato de que havia uma coisa no mundo - a única que ele queria de verdade - que ele não podia ter.
Foi um tempo difícil feito de horas intermináveis de introspecção olhando para o céu ou para o mar, incontáveis cigarros em noites insones cada vez mais frequentes, algumas muitas doses de álcool e loucura. "Você merece coisa melhor". "Você é muito novo pra sofrer por causa disso". Muitas verdades lhe foram ditas, e respondidas com a devida grosseria. É que as pessoas que dizem isso não entendem que nem todo mundo está pronto pra todo tipo de verdade. Algumas devem ser descobertas por conta própria, sozinhas.
As chances de novas experiências vieram nesse tempo, e uma lição já havia sido aprendida: você não pode contar com as outras pessoas. Se antes ele conseguia tudo o que queria, era pura e simplesmente porque conseguir essas coisas dependiam dele e apenas dele. Então se esforçou muito pra não desejar ninguém, construindo barreiras emocionais entre ele e qualquer pessoa que pudesse chegar a amar. Já havia se acostumado a acordar ao lado de estranhas e mandá-las embora. Não se importava se estava partindo corações, exatamente como o seu havia sido partido, até porque ele havia sobrevivido - e amadurecido. E isso poderia até fazer bem para outras pessoas.
Algumas pessoas conheciam o leão por fora, e não sabiam nem de metade do que se passava. O leão alimentava seu ódio todos os dias, e era assim que resolvia as coisas quando sua vontade era apenas deitar e morrer. O ódio o levava a ser melhor. O ódio e as boas lembranças eram as únicas coisas que guardava do seu objeto de desejo, que o rejeitou. Conforme as boas lembranças iam desvanecendo, seu ódio ia aumentando. O ódio lhe dava postura. Se antes seu olhar era relaxado, agora lembrava os olhos de um gato no escuro.
O leão nunca mais erraria assim novamente. O problema é que o leão estava faminto. O leão queria sentir o que queria sentir, outra vez. Alguém no mundo vale o risco de mais uma decepção?

O leão por dentro só queria ser coerente com o leão que é por fora, e sem precisar fingir.

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